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ERC
• VOLUME 1
Não se podendo apoiar na liberdade poética de Alberto Caeiro de
Fernando Pessoa, que escreveu “
a realidade não precisa de mim
”, a
Entidade Reguladora para a Comunicação Social deve assumir o seu
papel constitucional.
A ERC não temmedo de existir, mas autorregula-se. Conjuga o verbo
“regular” com o tracinho moderador do reflexo “se”, que devolve à
Entidade a humildade necessária para entender uma realidade cada
vez mais complexa no sector da comunicação.
Vale a pena lembrar aqui a célebre declaração do presidente Kennedy,
numdiaemque reuniunaCasa Brancaalgunsdosseusmaisbrilhantes
colaboradores coma nata das elites americanas desse tempo. “
Esta é a
segundamaior concentração de inteligência nesta sala oval.
”, terá dito
John Kennedy, para logo em seguida esclarecer a sua numerosa e ilu-
minadaassistência: “
Amaior concentraçãode inteligênciaqueaconteceu
nesta sala foi quando esteve aqui o presidente Jefferson sozinho.
”.
Era a homenagemdo presidente americano a umantecessor que, além
de — literalmente — ter escrito a constituição do seu país, deixara re-
gistadauma frasequenãomedispensode recordar: “
Se tivessedeoptar
entre ter um governo livre ou ter uma imprensa livre, eu optaria pela li-
berdade de imprensa.
”.
Escrever isto na apresentação do “Relatório de Regulação 2011” é
sublinhar que, ontemcomo hoje, não há liberdade de expressão sem
a expressão da própria liberdade.
Como atrás salientei, a ERC apresenta este documento comumsigni-
ficativo atraso.
Tal facto justifica-sepor oconselho regulador aquepresidosó ter tomado
posse no dia9de novembro de2011. Estivemos apenas poucomais de
ummês e meio em funções, nesses doze do ano a que se refere este
relatório. Grandepartedomelhor trabalhoaqui reunidoé, por isso, ainda
da responsabilidade do conselho presidido pelo Prof. Azeredo Lopes.
Este, aliás, tinha escrito um longo e minucioso texto de introdução no
relatório de 2010, a explicar a génese da ERC e os fundamentos desta
entidade. Reli esseúltimodocumentodomeuantecessor paraperceber
asmudançaspor eleprópriosugeridasecomo, nesta fasedeagravamento
da crise do sector, o Conselho Regulador deveria repensar o seu futuro.
“Mudaram-se, entretanto, bastante osmétodos e objetos de análise
do pluralismo. Procurou-se maior diversidade. Criou-se um departa-
mento de análise de média, por fusão de diferentes unidades já
existentes, e adaptou-se a estrutura interna para preparar o futuro.
Como dizia Paul Valery “
O problema como nosso tempo é que o futuro
hoje já não é o que era
”.
Não foi apenas isto que fez atrasar a publicação deste relatório. A insta-
bilidade no sector dos média em Portugal e a indefinição do próprio
serviço público introduziram dúvidas que nos obrigaram a atuar fora
dos calendários previstos. Refiro-me a sucessivos casos da atualidade
que foram surgindo e se tornaram urgentes ou prioritários.
Acresce ainda a tudo isto uma disfuncionalidade temporal siste-
mática do passado que terá de ser corrigida no futuro: o “Relatório de
Regulação” só pode ser finalizado quando as empresas detentoras
dosmeios de comunicação social apresentampublicamente os seus
próprios relatórios e contas; ora, a época do ano emque isso acontece
ultrapassa os prazos em que devemos entregar este documento à
Assembleia da República. Recordo ainda que nemtodas as empresas
(mesmo algumas das grandes) publicam as suas contas, e que é
preciso pedir informações ao mercado quando os próprios conse-
lhos de administração não as divulgam.
Alémde tentarmos acertarmelhor estes prazos e datas, procuraremos
recuperar em qualidade o que os diversos calendários e agendas
cruzadas até agora dificultaram.
Umdosmaiores problemas do Homemsempre foi ser contemporâneo
de si próprio. A realidade e a atualidade dificilmente se articulamnos
imaginários coletivos. O chamado “fio da atualidade” émuitas vezes
uma “(sobre)realidade” construída como narrativa para simplificar
o que a história se encarregará de esclarecer.
Acho por isso preferível nãome alongar no texto de apresentação de
um relatório que deve ser lido não para fazer notícia nem para se
resumir num título.
Este documento destina-se também à comunidade académica e a
investigadores de diversas áreas, além de gestores e diretores de
média que muitas vezes procuram nos quadros da ERC informação
fundamental para a sua atividade.
Permitam-me que lhes sugira uma leitura atenta, crítica e cúmplice de
uma realidade que todos sabemos muito complexa e em geometria
variável. Corre-se, aliás, o risco de entre a escrita e a publicação deste
tipo de documentos haver mudanças previsivelmente imprevisíveis.
Um relatório como este não pode, no entanto, referir-se ao que vai
ou poderá acontecer, mas, sim, ao que se verificou durante o período
a que se reporta.
Foi umtempo de transição, que ainda continua sob o signo da incerteza.
A metamorfose acelerou e estagnou ao mesmo tempo. A evolução tec-
nológica desafia permanentemente os hábitos de consumo de média e
a sociedade portuguesa precisa sobretudo de acreditar no sector. A cre-
dibilidadeperde-seeganha-seno testeda realidade. Notíciasem“
play list
”
e opiniões tipo “tempo de antena” cartelizam a agenda e diminuem a
profundidade temporal da atualidade, o que torna o debate ainda mais
superficial. Nãobastaopluralismopartidário; éprecisomaior diversidade.
E são necessários grupos de comunicação que pensem num mercado
mais alargado, comestratégiaparaaeconomiadigital. Porque, seo capi-
tal não tempátria, a verdade é que a nossa língua tem. Várias.
Carlos Magno
outubro de 2012
Apresentação