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PLURALISMO E DIVERSIDADE NOS SERVIÇOS DE PROGRAMAS TELEVISIVOS

ANÁLISE DA INFORMAÇÃO DIÁRIA –

RTP1

,

RTP2

,

SIC

, E

TVI

popular, cujos trocadilhos ajudam a fixar o sentido que

o autor quer atribuir às imagens.

Em desfavor do referente factual dos conteúdos de um

noticiário, a legenda ora serve o propósito satírico, com

conteúdo fictício (sem que o desmentido seguinte anule

o engano, num visionamento linear), ora corresponde

a uma conversa real pouco audível que se pretende

clarificar.

Finalmente, há elementos cénicos de veridicção típicos

do contexto de informação: o jornalista fala diretamente

para a câmara, enquadrado em plano americano

(sentado à secretária na redação nos bastidores do

estúdio do noticiário). É uma encenação convencional

na análise ou explicação de factos complexos por um

editor ou jornalista especializado. Porém, o discurso

aqui é subjetivo e vincado por juízos de valor.

Em suma, as caraterísticas da rubrica distanciam‑na

de um conteúdo jornalístico e aproximam‑na do registo

de propaganda política, devido à unidimensionalidade

do enfoque. Na medida em que, partindo de uma

perspetiva inteiramente negativa da atividade política

e dos seus atores, se tece uma narrativa fechada, sem

lugar a contraditório ou a interpretações alternativas,

esta rubrica, no bloco noticioso, não atende ao

princípio democrático do pluralismo e da diversidade

de correntes de opinião. Trata‑se de um olhar

subjetivo que, ao distorcer os factos que lhe servem

de referência, também não se qualifica como

opinião

que, devidamente identificada enquanto tal, pudesse

contribuir para o esclarecimento do espectador. Pelo

contrário, a ambiguidade e coexistência de enunciados

factuais com enunciados verosímeis, acentuada pelo

uso generalizado de dispositivos de sensacionalismo

em lugar de argumentos racionalmente

fundamentados, aproxima‑a mais de um conteúdo

de

infotainment

.

Conclui‑se que “Seis por Meia Dúzia” tem atributos de

registo jornalístico informativo

e

opinativo, ambivalência

passível de provocar confusão no espectador

.

É dever legal do operador explicitar a

separação

entre informação e opinião

. Além disso, a rubrica

apresenta elementos de géneros não jornalísticos, mais

próximos da programação de entretenimento, o que

leva a pôr em causa a sua presença no alinhamento

do serviço noticioso.

espaços de

comentário

(opinião) ser menos clara e

evidente.

Em televisão, esses dois registos podem confundir‑se

devido às semelhanças de formato: o pivô do noticiário,

além de introduzir os assuntos a comentar, muitas

vezes também coloca questões, papel equivalente

àquele assumido perante os entrevistados.

Observa‑se que a dificuldade em distinguir esses

conteúdos ocorre, por exemplo, quando o pivô se refere

ao seu interlocutor simplesmente como «convidado»

sem especificar se surge na qualidade de comentador

ou de entrevistado.

Seis por Meia Dúzia: um caso de registo jornalístico

híbrido

Na amostra de 2016 da informação diária foram

detetadas três edições

11

da rubrica “Seis por Meia

Dúzia”, transmitidas pelo “Jornal das 8”, da

TVI

.

A rubrica, «uma crónica de sátira política»

12

, segundo

a

TVI

, é atípica quanto ao

registo jornalístico informativo

ou de

comentário

/

opinião

devido a uma conjugação

de elementos (o genérico sugere uma associação ao

registo opinativo

, mas as imagens ora são factuais, ora

são distorcidas por falsas legendas, pela edição e pela

narração) perturbadores das expetativas de rigor dos

telespectadores face aos conteúdos de um noticiário.

Não é só, pois, uma «desconstrução», mas uma

reconstrução

com um tratamento que enviesa e altera

a perceção dos factos, apelando à reação emocional

do telespectador pela exploração de sensações, sendo

possível identificar nas suas peças praticamente todas

as dimensões de sensacionalismo. O

sensacionalismo

está presente no

discurso

, através do recurso a

expressões populares, jogos de palavras e juízos de

valor; das insinuações sobre políticos questionando

a sua idoneidade, sem acusação clara; no

fait‑divers

,

pela republicação de capas de revistas de vida social ou

de fotografias de

paparazzi

, de frágil valor informativo;

nas técnicas de

edição

características de géneros

não‑informativos (ficção ou entretenimento) usadas

para instilar na narrativa um tempo de comédia, como

a

repetição

(

replay

), que cria o efeito de

gaffe

, ou a

sequenciação de planos curtos

recontextualizados pelo

discurso do autor da rubrica e pela música; na

música

11)

Correspondentes às datas 20 de agosto, 8 de outubro e 26 de novembro de 2017.

12)

O “Seis por Meia Dúzia” é descrito pelo operador como «atento às tribos partidárias, aos fregueses corporativos ou aos absurdos oficiais». Rejeita-se a circunscrição

ao período da chamada

silly season

(de abrandamento da atividade política), «porque o exercício do poder é sempre escaldante.» O enfoque no discurso e na ação dos

políticos é afirmado com um sentido negativo: «e porque a República continua uma salada de frutas, digna de figurar nas melhores antologias de troca-tintas. Quem

dá mais, quem finge vender por menos? Nesta feira institucional, todo o palavreado conta...». Na secção “Sobre o Programa”, sinopse da rúbrica “Seis por Meia Dúzia”,

transmitida pelo “Jornal das 8”, da

TVI

:

<http://tviplayer.iol.pt/programa/seis-por-meia-duzia/578751cd0cf22c4188c49781>

(maio de 2017).